• Domingo, 19 de Janeiro de 2025

Evento literário convida a debate sobre desejo e fantasia neste sábado

Será durante o lançamento do livro 'O Diabo e Suas Máscaras A tríade infernal do desejo', da psicanalista Andréa Brunetto

CORREIO DO ESTADO / EDUARDO MIRANDA


Psicóloga e psicanalista Andreia Brunetto

O que move o ser humano? Pensamentos, escolhas, atos, emoções, palavras e muitos “não ditos” – e até “desconhecidos” – que nos habitam podem tentar explicar por que fazemos o que fazemos. E os desejos e as fantasias? As figuras mitológicas e religiosas, pagãs, que lugar ocupam nas profundezas do inconsciente?

Esses e outros temas, aos quais se dedica à psicanálise, serão debatidos neste sábado (25) em Campo Grande (MS), durante o lançamento do livro “O Diabo e Suas Máscaras – A tríade infernal do desejo”.

A autora, a psicanalista e psicóloga Andréa Brunetto, inicia o terceiro livro da carreira com citações de Sigmund Freud, lembrando que manifestações patológicas eram atribuídas a ação de demônios já na Idade Média e que a psicanálise também pode se mostrar inquietante ao se ocupar de “desvendar tais forças secretas”.

Por que resistimos tanto a entrar em contato com o desconhecido ou o “politicamente incorreto” que nos habita? Segundo Andréa, essa é justamente a definição da neurose descrita por Freud: “O que foi esquecido, recalcado, retorna fazendo sintoma, fazendo sofrer. O ser humano não é senhor em sua própria casa, escreveu Freud, quer dizer, não sabe, conscientemente, do mais importante que o determinou, pois esqueceu sua história. Esquecemos o infantil, reprimimos”, afirma.

Para Andréa, a análise – terapia conforme a abordagem psicanalítica – se dedica a resgatar a história de vida, o passado, os sonhos, o infantil, como um trabalho de investigação. “Freud escreve no começo de seu livro ´A Interpretação dos Sonhos’ sobre um compositor que acordou e escreveu imediatamente uma sonata inteira, maravilhosa, e que toda ela lhe veio no sonho. Creditou ao Diabo, que ele lhe passou a mesma no sonho.

Isso que Tartini [violinista, pedagogo e compositor italiano] creditou ao Diabo, Freud chamou de ‘o trabalho do inconsciente’. Começo o livro falando sobre isso”, conta Andréa, que detalha esta jornada a seguir:

Andréa – Hoje em dia creio que não mais. À época de Freud, ele teve que provar, defender e propagar a ideia de que o inconsciente era um saber e que precisava ser decifrado. Recebo pessoas no consultório que não estudaram psicanálise, não lêem nada sobre, mas sabem que nos sonhos há um saber a ser resgatado. Semanas atrás, alguém me disse isso: estou aqui porque quero fazer análise com você, mas não sei se vai ser possível, porque eu não lembro nada de meus sonhos. Além disso, há os que negam e o negacionismo é próprio do ser humano, em alguns mais, em outros menos. E há aqueles que querem saber mais de sua própria história.

O tema do personagem Orfeu ocupa um capítulo do livro, esse personagem grego inconformado com a perda da mulher amada, que desce ao inferno para buscá-la e faz um acordo com Hades e tenta trazê-la de volta. Não a consegue, a perde mais uma vez. Ele é o exemplo desse homem que não consegue esquecer uma mulher. Um exemplo infernal do amor eterno. [Jacques] Lacan salienta que o amor eterno é um inferno. Explico o porquê no livro.

Está aí um dos motivos por que um amor eterno é complicado. Porque existe o desejo e ele desliza, é metonímico, afirmou Lacan. Não sabemos o que vamos desejar amanhã, se amanhã ou depois vamos querer para nossa vida o que queremos hoje. O ser humano é muito insatisfeito. E as realizações são sempre insatisfatórias, que se satisfazem por um lado; por outro, fazem sofrer. Essa divisão entre instâncias psíquicas é própria do ser humano. A psicanálise pode ajudar aqueles que sofrem com suas divisões, suas insatisfações e querem saber mais sobre si mesmas.

Essa expressão para dizer o desejo como uma tríade infernal é de Lacan. Ele marca a trindade, não a cristã, mas aquele que ele teoriza: real, simbólico e imaginário.

O Diabo aparece como uma alegoria em nossa linguagem o tempo todo: ‘mas que diabos está acontecendo?’ E Deus também. Aparecem como polos para se falar do bem e do mal, porém na clínica as coisas poucas vezes são tão maniqueístas assim, que possamos dizer o que é bom e o que é mal. Cada sujeito que me procura chega com seus próprios demônios e quer falar deles, se apaziguar de suas angústias. Aqueles que realmente acreditam que são assombrados pelo Diabo são os psicóticos. Já escutei alguns e daí, sim, estamos no âmbito da patologia.

Não, não se aplaca o desejo. Não o comandamos com nosso ideal, porém um sujeito pode se perder em um labirinto em que não saiba o que realmente desejo e se quer realmente o que deseja.

Freud apostava na ciência e com ela o ser humano iria querer se curar de suas ignorâncias – e digo isso ser usar o termo de jeito pejorativo. Ele achava que, com isso, as crenças religiosas iriam perder força. Errou nisso, mas era um homem de seu tempo. Lacan teve menos esperança que Freud quanto a isso.

Disse à minha editora que todas minhas leituras literárias, os tantos romances e biografias que li sobre o Diabo estão nas notas de rodapé, talvez até redundantes. Os que se interessarem só pela psicanálise é só esquecerem as notas de rodapé, mas o que gostam de literatura, estão lá nas notas os tantos romances de pactos com o Diabo que li nesses anos. O tema do pacto com o Diabo é muito fértil na literatura. Passei anos lendo tantos romances e peças sobre o Dito Cujo.

Agora já estamos com quase 700 mil mortes. Está aí, essa pandemia mostrou como Freud estava certo: o ser humano pode negar, recalcar, o mais elementar e acreditar na realidade que cria. Quantos negaram o vírus, as pesquisas, as vacinas? Construíram realidades particulares e morreram até por isso? Uma pandemia colocou muito presente a morte para todos. A morte está aí, é o inevitável que comete a todos. Só que não sabemos quando, mas quando uma epidemia mata milhares a cada dia, a angústia se reforça, e o medo da morte toma conta da vida. Isso foi o dia a dia do trabalho de cada psicólogo e psicanalista durante a pandemia. E os analisantes que iam perdendo familiares, vizinhos, amigos, colegas de trabalho? Todo profissional de saúde mental lidou com isso todo dia durante a pandemia.

A frase de Sarte de que o inferno de alguém é a convivência com os outros tem razão de ser. Freud já afirmou que o mais difícil para o ser humano é a convivência com as outras pessoas. Mas o que podemos fazer? Dar um de eremita, ir viver sozinho em uma ilha deserta? Não dá. Como diz o escritor Jonh Donne, ninguém é uma ilha, então com esse inferno, que pode ser o outro, que é diferente de mim, preciso aprender a conviver. O Diabo mora nos detalhes, achei ótimo isso. Nem está no meu livro. Mas o amor também mora nos detalhes. E Deus também. Meu livro tem muitos detalhes, espero que meus leitores gostem. Os psicanalistas e os leigos encontrarão nele muitas estórias.

*Biografia da autora*

Andréa Brunetto é psicanalista, psicóloga, Analista Membro de Escola da Escola dos Fóruns do Campo Lacaniano, membro da EPFCL-Brasil, membro fundador do Ágora instituto Lacaniano e do FCL-MS. Mestre em educação pela UFMS. É apaixonada por seu trabalho com a clínica psicanalítica, por viagens e literatura.

*Serviço:* _ O Diabo e suas Máscaras – A Tríade Infernal do Desejo_ será lançado no próximo dia 25 de março, às 14h, no auditório do Grand Park Hotel, à avenida Afonso Pena, 5282, em Campo Grande (MS). Mais informações: (67) 3326-9617 e 3326-2288. O livro também pode ser adquirido com a editora Aller, com desconto de 25% na pré-venda.



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