Em foco
As joias da coroa
Essa fábula, tanto pela história quanto pelo valor (de milhões), embute uma série de questionamentos sobre os mimos recebidos, transportados e escamoteados por autoridades em comitiva presidencial representativa
CORREIO DO ESTADO / LUIZ FERNANDO MIRAULT PINTO
Era tempo em que se via o hábito da leitura como passatempo e divertimento de alguns, e para outros a aquisição de conhecimento, permitindo que os leitores desenvolvessem a imaginação, adquirindo vocabulário, interpretando os fatos, as coisas do mundo, com diversos gêneros de contos, romances, poemas, novelas e outros.
Considerados subgêneros, as narrativas policiais, que tinham por objetivo a elucidação ou a resolução de um mistério em busca de uma verdade envolvendo a investigação de uma trama, seja uma tragédia, um segredo, uma conspiração, uma traição, uma elucidação de crimes ou atentados levando a disputas forjadas em inventários, tinham público certo.
Não existiam os super-heróis da Marvel ou da Liga da Justiça (de Stan Lee) nem James Bond (de Ian Fleming), mas personagens críveis e altivos, investigadores como Sherlock Holmes (de Conan Doyle), Auguste Dupin (de Allan Poe), Miss Marple e Hercules Poirot (de Agatha Christie), e policiais-detetives, como o comissário Maigret (de Georges Simenon), Marlow (de R. Chandler) e Nero Wolf (de R. Stout), e por que não o sino-americano Charlie Chan (de E.Biggers). Suspenses, enigmas e charadas magníficas recheavam bancas e livrarias.
Antes da rede, da internet, da web e das demais plataformas que a compõem, isto é, os meios atuais de ocupação da cabeça dos seres midiáticos, os livros eram colecionáveis com ou sem brochura e tinham capa dura, importados como os pocketbooks, trocados como os gibis e, os mais antigos ou raros, comprados em sebos. Mas o mais importante: eram lidos.
A graça era acompanhar a solução do mistério e as pistas descritas furtivamente no texto, seduzindo, decifrando a cada parágrafo com o leitor até a revelação da identidade secreta do personagem enredado, ao impedir a impunidade e mostrar que o crime não compensa.
Hoje, vivemos narrativas policialescas pela realidade dos noticiários, que divulgam há tempos casos de golpes, descaminhos e assenhoramento de joias, aventuras que antes eram enredos interessantes, como em Tintim, revista desenhada com títulos como “As Joias de Castafiore”, ou como em “A Pantera Cor-de-Rosa”, investigação do Inspetor Clouseau, ou como em Hercule Poirot desvendando “O Roubo das Joias no Grand Metropolitan”, além de “O Caso da Joia Azul”, investigação de Sherlock Holmes, entre vários.
Assim, somos surpreendidos com o caminho misterioso das “Joias do Coroa” (uma licença poética), originárias dos Emirados Árabes sob a justificativa de serem presentes pessoais a ex-autoridades do governo brasileiro, que, nas tentativas de burlar a aduana por meio de uma galera de assessores subalternos, se utilizou de meios duvidosos e de “carteiradas” para atingir seus intentos.
Essa fábula, tanto pela história quanto pelo valor (de milhões), embute uma série de questionamentos sobre os mimos recebidos, transportados e escamoteados por autoridades em comitiva presidencial representativa.
A saber: qual foi a destinação das lembranças recebidas, por ordem de quem e se todos os “agrados de ocasião” foram devidamente registrados na alfândega e os personalíssimos sujeitos às taxas regulamentadas, assim como tomadas as providências para pertencerem ao acervo do governo.
Todas as respostas exigiriam declarações, investigações e comprovações sobre a veracidade dos fatos, os quais somente uma plêiade de investigadores das novelas policialescas seria capaz para desvendar tantos mistérios e contradições, a menos que voltássemos ao tempo das acusações sem provas, apenas por convicção.
Pois uma pergunta que não nos deixa calar: por qual razão alguém receberia um agrado de milhões em dois estojos de joias encaminhados escamoteadamente por estafetas sem a correspondente contrapartida em um negócio das Arábias?
Com certeza essa aventura não foi planejada por Arsene Lupin, o “Ladrão de Casaca”, e sim atribuída às trapalhadas astuciosas de Pedro Malasartes.
Assine o Correio do Estado